Inventário das dores. E das quedas
No primeiro mês, caí da cama e cortei aquela parte da orelha que é aguda nos elfos. Sangue que não se sabe quanto. Dor. Susto. Bobeira. A pergunta durou o tempo de lavar dois cortes: e se a esquina da mesa (que quebrou ao interceptar um sonho) abriu meu crânio e pelo chão vai derramar segredos? Primeiras marcas.
Depois, um tempo que já finjo que não conto, uma prateleira grossa, expressão de insuportável solidez, partiu-se ao contato de um fio. Um fio de água. Da lambida fria como se fosse o que faltava, escaparam lâminas de cristal que riscaram chuva vermelha sobre meus pés. Esquerdos. Foi a segunda marca. Superficial e múltipla.
Distraída com a paisagem em outra dessas horas cheias de si e de “e se?”, deixei escapar a corda do varal. Ele despencou do teto em mim à velocidade de um sopro e jogou os pensamentos pela janela, não consegui agarrar, e daquele desencontro violento nasceu uma coroa de estrelas. A terceira mágoa. Muitas perdas de raciocínio. Uns brilhos.
Toque, sentido, superfície. Esses desconfortos que atravessam a alergia do contato - e a alegria também.
A história não tem moral nem fim. Só arestas oportunistas. E Sacis. Muitos. Eles arrastam móveis que deveriam ser imóveis e que quando eu passo aplicam em meu corpo hematomas vários. Todos a lembrar que quando existo esbarro, para não esquecer de estar aqui. Diariamente.
Do mundo interior toda a gente não escapa. Há umas paradas antes do ponto final que se intromete em nós e nos nós. Aqueles que quem vive tenta desfazer até não precisar mais.